quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Interpretação de textos complexos II - Machado de Assis

Vamos analisar outro texto de Machado de Assis, o mestre,  (Capítulo IV - Dom Casmurro):


Como se trata da descrição de uma pessoa observada por quem escreve, marcamos alguns trechos referenciais:


  1. José Dias é a pessoa descrita, portanto marcamos o seu nome com o retângulo verde. Um nome não deixa dúvidas, portanto não precisa ser explicado;
  2. O Rio de Janeiro é um dos locais de referência. Pode ser o local da descrição. Se não o for, pelo menos serve de referência para localização;
  3. O trecho cujo fundo é cinza é um pensamento de quem descreve a pessoa e o cenário. Não tem significado para nossa abordagem centrada no "objeto" sendo descrito;
  4. Uma descrição circunstancial do trajar da pessoa descrita. Um indivíduo pode ter vários usos de roupa, mas a roupa e a circunstância em que é usada, combinadas nos fornecem alguns traços de caráter e personalidade do mesmo;
  5. Característicos da pessoa descrita no momento, mais concretos do que a roupa no item 4.
O texto é uma descrição, e não existem questionamentos. O que vamos analisar, é o poder de precisão desta descrição. Os detalhes da aparência de José Dias (em cinza e amarelo) são apenas aparência externa, mas o autor lhes dá a conotação levemente ridícula, pois diz que tudo isto parecia, no personagem, veste da moda com ar de cerimônia. Talvez todo o conjunto, em um homem magro, parecesse por demais soberbo, excessivo.

O mais elucidador da descrição no sentido apresentado é a frase "um vagar calculado e deduzido, um silogismo [Log. 2 premissas e uma conclusão] completo, a premissa antes da consequência, a consequência antes da conclusão" . O autor encaixa o comportamento de João Dias dentro da roupa que o mesmo usava, dando-lhe coerência, e sugerindo que o mesmo deve ser uma pessoa extremamente sistemática.

Conclusão

É este o produto que deve ser retirado de uma descrição: a coerência ou não das partes, e desta forma a competência ou incompetência do autor. Conhecer o autor também ajuda a entender o que ele escreve, pois eles escrevem de duas formas:


  • Obedecendo ao seu modo peculiar de vida;
  • Exprimindo o modo de vida que almejavam ter.



Machado de Assis, como escritor inteligente, psicólogo (mesmo sem o diploma), possui uma agudeza de análise elevada.

Comprar no cartão de 2 vezes

Não, não é um artigo com conselhos de uso de cartão de crédito. É sobre um enunciado de matemática:

"Joana comprou um vestido para pagar R$ 390,00 de duas vezes no cartão de crédito."

O que você entende a partir deste enunciado ?

Não preciso perguntar ao leitor adulto, mas uma criança de 11 anos me deu a seguinte interpretação:

"Então Joana vai pagar R$ 390,00 duas vezes. O vestido custa R$ 390,00 x 2."

Fiquei estarrecido, não com a interpretação desta criança, mas com a NOSSA INCAPACIDADE de adultos, de didatas, de professores, de mestres, em apresentar os problemas da forma correta. Ao invés de entender que os dois pagamentos somados vão totalizar R$ 390,00, ela entendeu que vão ser dois pagamentos de R$ 390,00, portanto, ao final, o valor pago será o dobro, e não R% 390,00.

Nos livros só vejo os "especialistas" em ensino INVENTANDO novas terminologias para os estudantes, ao invés de apresentarem as coisas com humildade e simplicidade. Os textos de Internet, de quem quer só parecer que sabe, são exposições sem conteúdo, com excesso de métodos, regras e pobreza de substância, de resultados ou de conclusões.

Em nosso enunciado, a expressão:

"de duas vezes no cartão de crédito"

é uma fonte de ambiguidade terrível.

É preciso explicar, MESMO COM O RISCO DE PARECER PROLIXO. pois quem está lendo é uma criança.

Os professores e revisores devem ter cuidado ao apresentar o universo da matemática para crianças, senão elas simplesmente vão criar e alimentar um ódio ou aversão, ou ambos, em relação à matemática. É o mau uso do português que torna, muitas vezes, a matemática tão chata e difícil.

A culpa, aqui, foi de quem escreveu tão mal, resumido, e pensando que a criança sabe o que estava pensando a pessoa que escreveu o enunciado, ou seja, um adulto arrogante.

domingo, 21 de agosto de 2011

Metáforas e Relações Binárias

O estudo de metáforas parece objeto somente de quem escreve poesia ou de quem quer se superar na prosa, mostrando muito mais que o homem comum consegue perceber.

Conceito

Metáforas são, basicamente, comparações.

Estas comparações, se diz a grosso modo, se fazem entre duas idéias. Mas a metáfora tem poderes maiores, tanto podemos dizer de comparar SISTEMAS inteiros, quanto de EXPANDIR A CAPACIDADE CEREBRAL.

O que mais fazemos em nosso pensar diário são as comparações. Mas levadas a extremos, estas comparações se transformam em metáforas que podem embasar verdadeiras teses científicas, seja na matemática, sociologia, política ou qualquer outro ramo.

Metáforas pobres e metáforas ricas

Se dizemos que o mundo é uma bola, não tem nada demais, e uma criança consegue fazê-lo. Mas se dizemos que o mundo é um laboratório de antropologia, fizemos algo melhor. Quanto mais afastados os campos do real que é a base da comparação (o mundo) e da hipótese da metáfora (laboratório), melhor é o poder da metáfora.

Um exemplo de Machado de Assis

Machado de Assis é o mestre da metáfora. Veja esta:


Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma idéia no trapézio que eu tinha no cérebro.

Isto é demais. Ao invés de dizer que uma idéia surgiu em sua mente, este renomado autor, personificado em seu personagem Brás Cubas, diz que uma idéia se dependurou em um trapézio, armado em seu cérebro.

Nunca vimos algo que descrevesse tão bem este fenômeno tão efêmero, este estabelecimento tão indeterminável  de uma idéia em nossa mente. e completa:


Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim,  que é possível crer.

Este autor insuperável (ainda mais hoje com tantos autores medíocres) ainda dá um quadro de como a idéia, ao surgir em nossa mente, vai adentrando nos caminhos tortuosos ali existentes, chamando outras idéias, relacionando-as, numa explosão ou reação em cadeia.

Conclusão

Metáforas estabelecem, a princípio, uma relação binária na mente, evoluindo para relações ternárias, quaternárias, até amadurecer em ligações múltiplas com centros distantes desta idéia inicial, porém, sempre relacionados, de alguma forma, a ela.
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Volatim é aquele que anda ou dança em corda bamba.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Interpretação de textos complexos I - Machado de Assis

Não precisamos dizer que os textos de Machado de Assis são obras cuja compreensão só está ao alcance de alguns. Mas indo mais fundo e procurando o esclarecimento, podemos dizer que é destes textos complexos que podemos auferir a verdadeira utilidade da língua na compreensão.

Explicaremos utilizando um trecho do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas:

A chave de uma boa interpretação é fazê-lo em relação a algo bem escrito, ou bem planejado antes de ser escrito. E o título deste trecho não deixa dúvidas quanto ao assunto tratado: uma genealogia, ou seja, relação de parentes desde as gerações anteriores à do personagem Brás Cubas.

O primeiro apoio do texto são os substantivos próprios (retângulos de borda verde). A partir destes estabelece-se a relação de parentesco.

O rebuscamento ou prolixidade

No entanto, o autor faz citações internas e particulares a respeito de cada um expondo contextos que podem deixar o leitor confuso. A estratégia deve ser apoiar-se fortemente nos substantivos próprios e detectar a quem se refere cada citação.

Vamos analisar uma citação bem prolixa para desmistificar de uma vez:

O fundador da minha família foi um certo Damião Cubas, que floresceu na primeira metade do século XVIII. Era tanoeiro de ofício, natural do Rio de Janeiro, onde teria morrido na penúria e na obscuridade, se somente exercesse a tanoaria. Mas não; fez-se lavrador, plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas, até que morreu, deixando grosso cabedal a um filho, licenciado Luís Cubas.

O nome Damião Cubas (estamos nos apoiando nos substantivos próprios) está associado a fundador, à profissão de tanoeiro (tanoeiro de ofício) e nasceu no Rio de Janeiro.

Os acessórios da frase:

"onde teria morrido na penúria e na obscuridade, se somente exercesse a tanoaria. Mas não; fez-se lavrador, plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas"

podem ser quase desprezados, pois representam conjecturas "onde teria morrido na penúria e na obscuridade, se somente exercesse a tanoaria" fruto de uma compulsão dos autores a fazer jorrar suas emoções nos textos, dando enorme dor de cabeça aos leitores. O que ele fez também " fez-se lavrador, plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas" não é importante para a genealogia e sim para uma talvez posterior investigação sobre o que ele fez em vida.

Ora, quem em sua vida não troca trabalho (fez-se lavrador, plantou, colheu) por salário (boas e honradas patacas) ?

Esta última colocação do autor é tão óbvia que não precisaria ser citada. No entanto, Machado de Assis o faz com estilo, pois um texto não é só informação mas beleza estilística.

O que captar e o que não captar

Se o título é genealogia, pelo menos as relações de parentesco o leitor tem que entender, bem como o local de nascimento de cada um. Já os rebuscamentos da vida de cada um não é tão importante numa primeira análise.

Colocamos na figura o restante do texto para que o leitor possa terminar a análise e decidir o que é e o que não é importante para uma análise da genealogia.

Veja o segundo exemplo, também com texto de Machado de Assis.



Parte III

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O português ajuda o raciocínio

Quanto mais difícil é uma língua, quanto mais regras tem a sua gramática, maior é o crescimento da capacidade de raciocínio que ela proporciona.

A língua portuguesa possui palavras compridas, muitas preposições, muitos tempos verbais e vasto vocabulário devido à herança de vocábulos de outras línguas (grego, latim, francês, árabe e inglês adaptado) que vieram se incorporando à nossa.

Compreender e utilizar as regras do português se compara a equilibrar pratos como é visto nos circos chineses. Não se trata de uma ou duas regras, e sim numerosas regras.

Vamos supor uma situação proposta no período a seguir:


Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou
pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a
minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento,
duas considerações me levaram a adotar diferente método: a
primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um
defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que
o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também
contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença
radical entre este livro e o Pentateuco.

Este é o período inicial da obra de Machado de Assis - Memórias Póstumas de Brás Cubas. Os primeiros "pratos" que iremos equilibrar são memórias, nascimento, morte, autor defunto/defunto autor (oposição), Moisés e Pentateuco.

Temos 6 idéias, uma a menos do que é o limite conhecido de nossa memória de curta duração (conhecido como sendo 7 no total). Alguém perguntaria a você, que está preocupado em "equilibrar" estes seis pratos? Qual é a relação entre estes "pratos" que você está equilibrando ?

Então você teria que escolher alguns dentre os seis para começar a explicar:

As memórias são ordenadas do nascimento até a morte, pois este é o caminho natural do ser humano em sua estadia na terra. Neste ponto, poderíamos não mais nos lembrar dos demais pratos. Este é o problema da memória de curta duração. Por isto, para guardar as situações na memória, é preciso "pintar" um quadro na cabeça, imaginando uma linha desta forma:


Bem mais fácil de guardar como uma relação.

Voltando aos "pratos", temos uma:

Oposição

Autor defunto/defunto autor

Esta operação mental da oposição será melhor explicada no Blog do Cérebro, mas podemos dizer aqui que as oposições, quando expressas na linguagem, provocam uma reação de surpresa e até de risos no ser humano, por sua originalidade e pela forma inesperada pela inversão da ordem dos elementos, e consequentemente da alteração sintática dos termos na frase (defunto passa de artigo para substantivo). O cérebro se agrada deste tipo de coisa que é bem explorada pelos humoristas e autores espirituosos.

Pessoa/Posse

Os "pratos" Moisés e Pentateuco perfazem a relação Coisa/Possuidor, ou Autor/Obra. Como a palavra "autor" aparece duas vezes no texto, ficaríamos com Autor/Obra.

Relação das Relações

Depois das relações individuais serem resolvidas, vamos ver como todas estas relações se encaixam, ou seja, como todas estas relações formam um quadro aceitável para a mente:



Conclusão

Portanto, quem conhece as regras do português e as usa no momento certo, sem absurdos exagerados, expande sua mente e melhora a sua memória, seu conhecimento da língua e raciocina melhor, fazendo mais relacionamentos entre as coisas logicamente relacionadas ou não.

domingo, 3 de julho de 2011

Adjetivos, advérbios de intensidade e escala de valores

Existe um artigo interessante no blog desta mesma rede de blogs que trata do Uso dos números, ordem de grandeza e outras ciências. Neste artigo se discute a aplicação destes conceitos sobre o senso comum do ser humano, para que ele saiba quantificar o que está à sua volta, o que é muito e o que é pouco, em outras palavras.

Neste nosso blog de Utilidade do Português, vamos relacionar o que é muito, o que é pouco, o que é médio, para inserir Adjetivos e Advérbios na escala de valores para perceber as ordens de grandeza dos fenômenos.

A torneira do fogão

Por ser um eletrodoméstico comum nas residências em todo o mundo, vamos utilizar a escala da torneira de gás do forno dos fogões como ponto de partida para a compreensão de ordem de grandeza e escala de valores.


Em muitos outros modelo de fogão temos um tipo de escala com base em adjetivos:

  • Baixo
  • Médio-baixo
  • Médio
  • Médio-Alto
  • Alto


É neste tipo de escala que estamos interessados. Ao invés de valores, temos expressões adjetivas.

É do senso comum que uma pessoa com altura superior à nossa é chamada de alta, e uma com altura inferior é chamada de baixa. No caso do calor (e não fogo), o correto seria "fogo forte" e "fogo fraco". Ou seja, os extremos são fáceis de perceber.

Muito e Pouco

Quando nosso senso capta excesso, dizemos muito. Quando capta insuficiência, dizemos pouco. Estes são os extremos. O que fica no "meio" dos excessos é chamado de médio, média, mais ou menos, mediano, medíocre, etc.

Três medidas como escala mínima

A percepção mais primitiva do ser humano capta os excessos e a média:

pouco, médio, muito

ou

baixo, médio, alto

ou

frio, morno, quente

ou

cru, cozido, queimado

No entanto, não poderíamos nos conformar com estes poucos graus de escala de valores, pois senão a ciência não teria progredido.

A escala de 5

A escala de 5 é a que apresentamos para a torneira de gás do forno do fogão:

  • Baixo
  • Médio-baixo
  • Médio
  • Médio-Alto
  • Alto

Esta é uma escala mais madura. E o que determina a "maturidade" das escalas ?

O que determina a "maturidade" de uma escala é a quantidade de intermediários que ela possui. As crianças até 7 anos compreendem bem somente as escalas de 3, e mesmo assim não se sentem muito à vontade com o médio. Crianças desta faixa etária e proximidades são muito concretas em suas avaliações.




segunda-feira, 6 de junho de 2011

Preposições, conjunções e prioridade de operadores aritméticos

O leitor vai se surpreender com a similaridade existente entre a lógica de uso das preposições (notadamente a preposição "de"), do uso das conjunções (notadamente a "e" e a "ou") e o uso dos operadores aritméticos e suas prioridades (produto, divisão, soma e subtração). Acrescente-se o uso do pronome relativo "que" no português comparado ao uso de parênteses, colchetes e chaves na matemática.

Prioridades

Tanto para compreender o sentido das frases em português, quanto para obter o resultado de uma expressão aritmética com várias operações na aritmética, precisamos partir de certas prioridades para alcançar o sucesso, que é a correta compreensão das expressões.

Prioridades nas frases

Você já percebeu por onde começa a destrinchar o sentido de uma frase ?

Vamos começar com frases de um diálogo, pois demandam urgência de compreensão, ou por se constituirem em pedidos de explicações ou por sustentar relacionamento interpessoal, e portanto sobrevivência no âmbito geral. Depois analisaremos descrições de (1) constituição ou (2) funcionamento de alguma coisa, fundamental para que o homem compreenda o espaço ao seu redor e possa intervir para melhorá-lo.

Vejamos um fragmento de diálogo de Machado de Assis (Quincas Borba):


— Desde que Humanitas, segundo a minha doutrina, é o princípio da vida e reside em toda a parte, existe também no cão, e este pode assim receber um nome de gente, seja cristão ou muçulmano...  
  
— Bem, mas por que não lhe deu antes o nome de Bernardo? disse Rubião com o pensamento em um rival político da localidade.  
  
— Esse agora é o motivo particular. Se eu morrer antes, como presumo, sobreviverei no nome do meu bom cachorro. Ris-te, não?  
  
Rubião fez um gesto negativo.  
  
— Pois devias rir, meu querido. Porque a imortalidade é o meu lote ou o meu dote, ou como melhor nome haja. Viverei perpetuamente no meu grande livro. Os que, porém, não souberem ler, chamarão Quincas Borba ao cachorro, e...  

Retiramos o fragmento para analisar tão somente conectivos, dando ênfase às preposições.

A preposição de

Esta é, segundo trabalhos de linguistas, a mais numerosa em textos, tanto mais se considerarmos sua associação com os artigos: do, da, dos, das. Ela é um vocábulo de ligação que completa sentidos e, mais absurdo para quem nunca ouviu: ELA É COMO A OPERAÇÃO ARITMÉTICA DE MULTIPLICAÇÃO, que deve ser executada antes de todas as outras. Em outras palavras, nossa compreensão frasal DEVE fazer primeiro estas junções, sem o que nos perdemos nos vários sintagmas do período frasal. E fazemos isto com tanta rapidez, que já não nos damos mais conta.

Agora, pare e pense bastante neste post, antes de prosseguirmos com a comparação com operações aritméticas. Guarde esta frase que vai servir para embasar nossos próximos passos:

O cão de Dom Pedro mordeu a perna do filho do tio do padeiro na porta da igreja dos Capuchinhos.

domingo, 29 de maio de 2011

Decomposição de números em ordens

Causa-me assombro a dificuldade de entendimento, por parte crianças de 11 anos, das ordens dos números inteiros: unidades, dezenas, centenas e etc.

Mas se os acusamos de dificuldade de entendimento, devemos, como cientistas, verificar se isto é explicado direito nos livros de matemática.

O termo ordem

Primeiramente, vamos ver o termo usado para expor este assunto a crianças desta idade: ordem.

Nesta idade, o termo ordem está linguisticamente associado às ordens que os pais e professores dão aos alunos. Ao mandar o aluno ou filho fazer determinada coisa, o adulto está dando uma ordem. Portanto, este termo é um motivo de estranheza para a criança, criando uma primeira barreira.

Alguns professores designavam cada ordem como uma casa. Para a criança que está recém-vinda de um mundo infantil, o termo casa está bem mais próximo de seu universo linguístico. Em outros livros é usado o termo posição, um pouco menos adequado que o termo casa, porém mais adequada que a palavra ordem.

Numeração ordinal

Para piorar um pouco a situação de confusão linguística, vamos constatar que próximo da matéria de ordens numéricas vem o conceito de numeração ordinal: primeiro, segundo, terceiro, etc. E um dos exemplos tem o enunciado:

Três pessoas estão disputando uma corrida. Beto está na frente de Pedro. Fernando não é o primeiro, Pedro não é o terceiro. Qual a ordem em que eles estão ?

Realmente, os autores e professores querem confundir o aluno. Agora ordem é apresentado como um termo ligado a posição em uma fila, e não representando um múltiplo da base do sistema de numeração. Isto é grave, pois estamos tratando com crianças.

Concordamos que, segundo o ensino em progressão "espiral", conceitos já aprendidos devem ser expandidos, e novas palavras devem ser acrescentadas ao vocabulário da criança, mas deve-se evitar, na mesma "altura" desta espiral a apresentação de um termo com dois usos, principalmente no assunto que vai dar à criança a noção de ordem de grandeza dos números, que futuramente vai "desaguar" no tema Potências de Dez em física.

Conclusão

A questão do ensino de matemática para crianças no caso das "ordens dos números" é mais uma de linguística do que de algo que se faz brotar espontaneamente do "achismo" (eu acho, nós achamos) de profissionais de ensino.

Deve-se conhecer as "primitivas" dos alunos, e isto já existe em pesquisas de doutores sobre como a criança adquire o seu vocabulário, juntamente com tabelas de palavras básicas de acordo com a idade.

Vejam a tese de Lou-Ann Kleppa sobre "Preposições ligadas a verbos na fala de uma criança em processo de aquisição de linguagem" publicado na UNICAMP.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Enunciados de matemática - erros dos alunos - I

A tendência do cérebro é errar. E isto é mais verdade se tratamos das nossas crianças.

Vamos examinar este enunciado de questão de matemática para a quinta série:

O parque nacional da Serra da Canastra recebe 432.450 visitantes por ano. Calcule o número de visitantes por mês. Dê a resposta sem as casas decimais.

Vejam o cálculo que o aluno colocou no espaço para a resposta:


Não é preciso se escandalizar, ou dizer "mas não é possível !", nem ter outro tipo de manifestação dramática. Para uma criança de 11 anos isto é perfeitamente aceitável como, no dito popular:

Falta de atenção

Mas é apenas isto ? O que é isto que chamamos agora de falta de atenção ?

O termo correto é:

Acesso à região incorreta de uma rede neural.

Vejamos a rede de idéias acessada por este enunciado na grande rede que uma criança foi construindo ao longo de sua curta vida até esta idade:


Vemos que o caso da tal atenção é uma questão (como se está dizendo muito por aí) de FOCO.

Não somos máquinas que vão exatamente no lugar certo da primeira vez e para sempre (não havendo defeito). Somos falhos. Na figura existe o foco correto que ficou embaçado pela falibilidade da natureza humana, e o Foco da criança no momento em que estava fazendo a questão.

O neurônio conceitual de mês está presente na intersecção dos dois focos. A criança desviou o foco um pouco para baixo, acessando o valor de ligação matemático entre Mês e Dia, ao invés de acessar o valor correto pedido que liga o Mês ao Ano. Daí o aluno ter dividido o número de visitas por 30 (número de dias do mês), ao invés de ter dividido por 12 (número de meses do ano).

Em um erro maior de foco, o aluno poderia até ter pego como número de visitas um outro valor mencionado na questão anterior ou posterior da prova, dado o nervosismo que as pessoas demonstram frente às avaliações.

Conclusão

A chamada falta de atenção dos alunos se deve ao foco confuso que tem frente às situações. Sua rede de conhecimentos é normal, pois sempre estão prontos para aprender coisas novas. O que é preciso mostrar ao aluno é justamente os erros que se podem cometer no acesso aos seus mapas de memória, da forma como mostrada no diagrama deste post, para que ele entenda as possibilidades de erro de que pode ser vítima.

domingo, 15 de maio de 2011

Sintagmas nominais

Os sintagmas (coleções) nominais são as expressões que expressam um agente (entidade, sujeito, objeto) na língua.

A pista mais evidente para detectá-los é o artigo. Lembre-se que este artigo pode estar no final de uma preposição ou de pronome demonstrativo ou de pronome possessivo. Outra forma é achar os  ou de um quantificadores (dois, três, quatro, ...).Veja o quadro abaixo:


É um bom exercício marcar os sintagmas nominais de textos jornalísticos, e de textos informativos de monografias. Verifique quais estão dentro desta norma e aponte possíveis inversões. Isto o ajudará a identificar o estilo dos vários autores.

Por exemplo, a inversão de substantivos com adjetivos é muito utilizada para introduzir as emoções nos discursos, respostas e descrições.

domingo, 8 de maio de 2011

A linguagem das crianças e o advérbio aí

As crianças usam o conector aí (advérbio de lugar) em suas frases com grande frequência. Ao contar uma história eles podem falar:

"Tava" na escola e a professora deu um monte de canetas prá "nóis",
Aí ela falô prá gente desenhar uma casa e uma árvore,
Aí eu desenhei uma casa de telhado vermelho,
Aí ...

O amadurecimento verbal do indivíduo pode ser, justamente, avaliado pelo abandono do conector "aí". O "aí" tem o exato valor de "e neste ponto", "neste lugar", um conceito relacionado à localização no espaço.

Mas o que um advérbio de lugar tem a ver com a conexão de idéias ?

Este é o mesmo fenômeno que está ocorrendo na linguagem falada em relação ao também advérbio de lugar "onde":

Nós estávamos conversando e foi onde o elemento apareceu armado e gritando.

É a concatenação por justaposição, como se faz no dominó: uma peça com o mesmo número de pontos da última é colocada à frente da outra. Se você pensar bem profundamente, é o ser humano retornando às primitivas da língua, no caso, aplicando conceitos de posição:

do lado, atrás, na frente, em cima e em baixo

No caso do aí, a criança está usando o mais primitivo: neste lugar. No caso do onde, o adulto também está usando neste lugar.

Interessante, as duas pontas da maturidade do ser, a mais e a menos madura, recorrem a uma idéia de localização, da mesma forma que nosso centro geográfico cerebral - o hipocampo - responsável pela noção de posição está encarregado de fabricar novas memórias, seja no discurso verbal ou não.

domingo, 6 de março de 2011

Entendimento

O entendimento é o objetivo da análise de contextos, eventos e fenômenos. Um bom entendimento compreende mostrar como um fenômeno está situado na estrutura causal do mundo (Salmon, 1984). Mas digo mais: “um bom entendimento é saber exatamente as primitivas envolvidas num contexto” (Bernardo Meyer, 2010).

Se identificamos as idéias mais primitivas que “exalam” de um contexto, ele está entendido.

As primitivas de saneamento são água e esgoto, de Recursos Humanos são empregado, vaga, salário, cargo e função, e asim por diante. Não é tão difícil.

Estrutura dos textos

A estrutura dos textos é de um geral (título) para detalhe (desdobramento do capítulo, item ou subitem), ou seja, o texto, em sua estrutura é uma descrição, mesmo que os itens e subitens sejam partes de diálogos. E de forma ou outra, existe uma sequência que dá uma certa temporalidade contextual ao texto.
E é isto que o entender humano faz: vai de geral para detalhe e de detalhe para geral, num constante movimento periódico, como o tocar de uma sanfona ou o movimento de uma mola. E quando se escreve ou se lê uma digressão ou pensamento, sempre existe uma sequência dentro do princípio de causalidade que norteia o raciocínio humano.

Esta forma de abordagem é a alternância entre as duas operações mentais fundamentais, chamadas de análise (para detalhamento) e síntese (para geral, axiomas, resumos, panoramas).
E estas alternâncias podem ser recheadas por comparações (terceira operação mental fundamental).

O que

O quê pode remeter, em meio à narrativa, para o passado ( professor que fez isto), manter no presente (padaria que está ao lado do mercado) ou enviar para o futuro (poeta que no futuro poderá ser um grande escritor).

Um evento ou fenômeno

Um evento é o estabelecimento de um contexto espaço-tempo completo e genuíno. Ele é perfeito pois tem tempo definido e espaço (local) definido. Evento é uma ideia derivada. Quando é percebido (óbvio quando alguém oferece a sua narrativa) se chama fenômeno (o que pode ser percebido pelos sentidos ou pela consciência).

Contextos espaço-tempo

  1. Em textos jornalísticos, o espaço-tempo é óbvio: um fato ocorreu ou está ocorrendo ou vai ocorrer a tal tempo e em tal local.
  2. Em diálogos o espaço-tempo é apresentado como um tempo “picado” em algo que emissor ou receptor fez (algo que definiu sua personalidade), está fazendo (nova experiência) ou fará (pretensões, sonhos, ansiedades e medo [o medo está no futuro ou no presente e não no passado, pois este está consumado, e seu nome real é trauma]).
  3. Nas narrações o espaço-tempo é um evoluir. Pode estar picado, mas a linha principal pode ser montada em tempo crescente.
  4. Em descrições a evolução do espaço-tempo é do geral para o detalhe, ou do detalhe para o geral num “zoom” de características.
  5. Existe o quinto tipo, onde um personagem ou narrador ou explanador faz especulações ou digressões, em seu mundo mental, ou explica algo a alguém, sem uma cadeia de causalidade ou temporalidade, a que chamaremos sermão. E neste, malgrado dizermos que não tem característica genuína definida dos quatro tipos anteriores, existe uma temporalidade, que é a própria sequência que aquele que o faz utiliza (bem ou mal) para se expressar e transmitir seu sentimento, impressão, opinião ou coisa do gênero.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O verbo pegar, o advérbio aí e o advérbio então

A observação do falar entre crianças em seus primeiros anos de fala (2 a 5 anos) e mesmo de adultos menos instruídos revela a utilização exaustiva do verbo pegar (eu peguei e fui na casa de ..., então eu peguei o comprovante e ..., Carlos pegou a mulher em flagrante com o vizinho ). Uso semelhante é feito na mesma proporção do "" (eu fui ..., eu fiquei assim ..., aconteceu). O ocorre, muitas vezes, no lugar do então, dependendo do grau de cultura de quem o utiliza.

Pedindo licença aos estudiosos e PhDs da língua portuguesa, e com base em estudos do cérebro, mente e pensamento, lançamos aqui uma nova categoria para palavras que atendem a este padrão:

Sinapses de discurso e narração

Todos sabem que as sinapses são os pontos de conexão entre neurônios em nosso cérebro. Aprendemos que, no discurso e na narração, as ligações frasais entre as idéias são as conjunções (de juntar, juntada). Não podemos, no estado tecnológico em que estamos, aceitar uma simples classificação do "" como advérbio e nem do pegar como verbo, muito menos, pois estamos frente a desafios da Gestão do Conhecimento, e a análise sintática passou a ser mais um elemento de currículo do que uma ferramenta de identificação de idéias.

Estes três servem como partículas de retomada do discurso, perdido, talvez, em parênteses ou orações adjetivas, que quebram a linha principal da idéia que estava sendo transmitida.

Pegar

O verbo pegar, neste uso de retomada denuncia um impulso natural do raciocínio, resultado de sua ânsia de ter o controle do discurso ou narração como se pudesse tomá-lo pelas mãos. Adoramos esta descoberta. Este impulso está muito claro, quando se fala que é preciso fazer algo, praticar, para aprender e melhorar, principalmente no campo dos esportes e das artes manuais.

Pegar na infância

A criança começa a aprender na medida em que aquilo que ela (e talvez não acredite muito que tal coisa esteja ali) também consegue pegar, mesmo que seja uma figura. Neste ato ela vai até decidir, com base na frequência de sucessos, e não por fatores genéticos. Imagine o crescimento de abordagem do novo mundo (chamamos assim porque a criança é um ser totalmente novo neste mundo) para o cérebro desta criança. Este nascente cérebro diz então:

Realmente o que o meu olho vê existe, tem forma, textura, brilho, cor

Os toques, para a criança, provocam verdadeiras tempestades elétricas no nascente cérebro, efetuando milhares e milhares de ligações, depois perceptíveis depois que ela cresce e se torna adulta.

Pegar, tocar, encostar, agarrar, apreender, aprender

Os derivados de pegar (mais simples e voluntário) indicam graus menores ou maiores de intensidade desta ação. Citamos apreender (uma forma de agarrar) para podermos incluir o totalmente metafísico aprender, ato do cérebro afixar um conhecimento.

Horizonte figurado

Almejar, objetivar, imaginar, alcançar, sonhar e pensar são manifestações figuradas deste pegar físico. Imaginar é antecipar o pegar no tempo futuro, sendo o objetivo físico. Mas também para objetivos não físicos, podemos utilizar alcançar, pois algo metafisicamente se materializará se formos bem sucedidos. Teorias precedem invenções e usos.