segunda-feira, 18 de julho de 2011

Interpretação de textos complexos I - Machado de Assis

Não precisamos dizer que os textos de Machado de Assis são obras cuja compreensão só está ao alcance de alguns. Mas indo mais fundo e procurando o esclarecimento, podemos dizer que é destes textos complexos que podemos auferir a verdadeira utilidade da língua na compreensão.

Explicaremos utilizando um trecho do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas:

A chave de uma boa interpretação é fazê-lo em relação a algo bem escrito, ou bem planejado antes de ser escrito. E o título deste trecho não deixa dúvidas quanto ao assunto tratado: uma genealogia, ou seja, relação de parentes desde as gerações anteriores à do personagem Brás Cubas.

O primeiro apoio do texto são os substantivos próprios (retângulos de borda verde). A partir destes estabelece-se a relação de parentesco.

O rebuscamento ou prolixidade

No entanto, o autor faz citações internas e particulares a respeito de cada um expondo contextos que podem deixar o leitor confuso. A estratégia deve ser apoiar-se fortemente nos substantivos próprios e detectar a quem se refere cada citação.

Vamos analisar uma citação bem prolixa para desmistificar de uma vez:

O fundador da minha família foi um certo Damião Cubas, que floresceu na primeira metade do século XVIII. Era tanoeiro de ofício, natural do Rio de Janeiro, onde teria morrido na penúria e na obscuridade, se somente exercesse a tanoaria. Mas não; fez-se lavrador, plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas, até que morreu, deixando grosso cabedal a um filho, licenciado Luís Cubas.

O nome Damião Cubas (estamos nos apoiando nos substantivos próprios) está associado a fundador, à profissão de tanoeiro (tanoeiro de ofício) e nasceu no Rio de Janeiro.

Os acessórios da frase:

"onde teria morrido na penúria e na obscuridade, se somente exercesse a tanoaria. Mas não; fez-se lavrador, plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas"

podem ser quase desprezados, pois representam conjecturas "onde teria morrido na penúria e na obscuridade, se somente exercesse a tanoaria" fruto de uma compulsão dos autores a fazer jorrar suas emoções nos textos, dando enorme dor de cabeça aos leitores. O que ele fez também " fez-se lavrador, plantou, colheu, permutou o seu produto por boas e honradas patacas" não é importante para a genealogia e sim para uma talvez posterior investigação sobre o que ele fez em vida.

Ora, quem em sua vida não troca trabalho (fez-se lavrador, plantou, colheu) por salário (boas e honradas patacas) ?

Esta última colocação do autor é tão óbvia que não precisaria ser citada. No entanto, Machado de Assis o faz com estilo, pois um texto não é só informação mas beleza estilística.

O que captar e o que não captar

Se o título é genealogia, pelo menos as relações de parentesco o leitor tem que entender, bem como o local de nascimento de cada um. Já os rebuscamentos da vida de cada um não é tão importante numa primeira análise.

Colocamos na figura o restante do texto para que o leitor possa terminar a análise e decidir o que é e o que não é importante para uma análise da genealogia.

Veja o segundo exemplo, também com texto de Machado de Assis.



Parte III

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O português ajuda o raciocínio

Quanto mais difícil é uma língua, quanto mais regras tem a sua gramática, maior é o crescimento da capacidade de raciocínio que ela proporciona.

A língua portuguesa possui palavras compridas, muitas preposições, muitos tempos verbais e vasto vocabulário devido à herança de vocábulos de outras línguas (grego, latim, francês, árabe e inglês adaptado) que vieram se incorporando à nossa.

Compreender e utilizar as regras do português se compara a equilibrar pratos como é visto nos circos chineses. Não se trata de uma ou duas regras, e sim numerosas regras.

Vamos supor uma situação proposta no período a seguir:


Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou
pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a
minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento,
duas considerações me levaram a adotar diferente método: a
primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um
defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que
o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também
contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença
radical entre este livro e o Pentateuco.

Este é o período inicial da obra de Machado de Assis - Memórias Póstumas de Brás Cubas. Os primeiros "pratos" que iremos equilibrar são memórias, nascimento, morte, autor defunto/defunto autor (oposição), Moisés e Pentateuco.

Temos 6 idéias, uma a menos do que é o limite conhecido de nossa memória de curta duração (conhecido como sendo 7 no total). Alguém perguntaria a você, que está preocupado em "equilibrar" estes seis pratos? Qual é a relação entre estes "pratos" que você está equilibrando ?

Então você teria que escolher alguns dentre os seis para começar a explicar:

As memórias são ordenadas do nascimento até a morte, pois este é o caminho natural do ser humano em sua estadia na terra. Neste ponto, poderíamos não mais nos lembrar dos demais pratos. Este é o problema da memória de curta duração. Por isto, para guardar as situações na memória, é preciso "pintar" um quadro na cabeça, imaginando uma linha desta forma:


Bem mais fácil de guardar como uma relação.

Voltando aos "pratos", temos uma:

Oposição

Autor defunto/defunto autor

Esta operação mental da oposição será melhor explicada no Blog do Cérebro, mas podemos dizer aqui que as oposições, quando expressas na linguagem, provocam uma reação de surpresa e até de risos no ser humano, por sua originalidade e pela forma inesperada pela inversão da ordem dos elementos, e consequentemente da alteração sintática dos termos na frase (defunto passa de artigo para substantivo). O cérebro se agrada deste tipo de coisa que é bem explorada pelos humoristas e autores espirituosos.

Pessoa/Posse

Os "pratos" Moisés e Pentateuco perfazem a relação Coisa/Possuidor, ou Autor/Obra. Como a palavra "autor" aparece duas vezes no texto, ficaríamos com Autor/Obra.

Relação das Relações

Depois das relações individuais serem resolvidas, vamos ver como todas estas relações se encaixam, ou seja, como todas estas relações formam um quadro aceitável para a mente:



Conclusão

Portanto, quem conhece as regras do português e as usa no momento certo, sem absurdos exagerados, expande sua mente e melhora a sua memória, seu conhecimento da língua e raciocina melhor, fazendo mais relacionamentos entre as coisas logicamente relacionadas ou não.

domingo, 3 de julho de 2011

Adjetivos, advérbios de intensidade e escala de valores

Existe um artigo interessante no blog desta mesma rede de blogs que trata do Uso dos números, ordem de grandeza e outras ciências. Neste artigo se discute a aplicação destes conceitos sobre o senso comum do ser humano, para que ele saiba quantificar o que está à sua volta, o que é muito e o que é pouco, em outras palavras.

Neste nosso blog de Utilidade do Português, vamos relacionar o que é muito, o que é pouco, o que é médio, para inserir Adjetivos e Advérbios na escala de valores para perceber as ordens de grandeza dos fenômenos.

A torneira do fogão

Por ser um eletrodoméstico comum nas residências em todo o mundo, vamos utilizar a escala da torneira de gás do forno dos fogões como ponto de partida para a compreensão de ordem de grandeza e escala de valores.


Em muitos outros modelo de fogão temos um tipo de escala com base em adjetivos:

  • Baixo
  • Médio-baixo
  • Médio
  • Médio-Alto
  • Alto


É neste tipo de escala que estamos interessados. Ao invés de valores, temos expressões adjetivas.

É do senso comum que uma pessoa com altura superior à nossa é chamada de alta, e uma com altura inferior é chamada de baixa. No caso do calor (e não fogo), o correto seria "fogo forte" e "fogo fraco". Ou seja, os extremos são fáceis de perceber.

Muito e Pouco

Quando nosso senso capta excesso, dizemos muito. Quando capta insuficiência, dizemos pouco. Estes são os extremos. O que fica no "meio" dos excessos é chamado de médio, média, mais ou menos, mediano, medíocre, etc.

Três medidas como escala mínima

A percepção mais primitiva do ser humano capta os excessos e a média:

pouco, médio, muito

ou

baixo, médio, alto

ou

frio, morno, quente

ou

cru, cozido, queimado

No entanto, não poderíamos nos conformar com estes poucos graus de escala de valores, pois senão a ciência não teria progredido.

A escala de 5

A escala de 5 é a que apresentamos para a torneira de gás do forno do fogão:

  • Baixo
  • Médio-baixo
  • Médio
  • Médio-Alto
  • Alto

Esta é uma escala mais madura. E o que determina a "maturidade" das escalas ?

O que determina a "maturidade" de uma escala é a quantidade de intermediários que ela possui. As crianças até 7 anos compreendem bem somente as escalas de 3, e mesmo assim não se sentem muito à vontade com o médio. Crianças desta faixa etária e proximidades são muito concretas em suas avaliações.