domingo, 7 de abril de 2019

Matemática e Português - Abordagem unificada

O ensino nas escolas é sempre muito discutido. A busca por métodos de Aprendizado é constante, mas os resultados vem sendo insatisfatórios, e os alunos não mais tem interesse nas disciplinas obrigatórias para a garantia de um futuro melhor.

Aprendizado

O Aprendizado, resultado esperado do hábito correto, disciplinado e logicamente dirigido do estudo, precisa de uma ótica UNIFICADA, mostrando que todas as áreas do conhecimento possuem uma lógica comum, se complementam e devem ter uma ABORDAGEM GLOBAL.

É preciso tirar da mente dos educadores a ideia de que as áreas do conhecimento tem características diferentes e, portanto, devem ser tratadas independentemente. Isto é uma falácia, e produziu um tipo de conhecimento desintegrado, desinteressante e também, por isso, indivíduos com um foco exageradamente voltado para a área de conhecimento que escolheu. Produziu-se, ao longo de todos os anos 1980, chegando à época atual, engenheiros, contabilistas e químicos que não sabem escrever, jornalistas, advogados, psicólogos, biólogos e administradores que não sabem calcular, e profissionais que não sabem representar seu conhecimento, calcular metas e fazer as medições do quanto atingiram em cada uma delas e toda a sorte de gestores incapazes.

As áreas do conhecimento

Na visão do senso comum, a História tem uma abordagem notadamente temporal, a Geografia notadamente espacial. O Português tem uma abordagem baseada na Interpretação dos significados isolados ou em conjunto dos discursos, descrições e narrações, sem preocupação com a quantificação informativa, para abrir espaço à medição, que aumentaria a compreensão dos diversos assuntos. Constrói-se uma visão puramente crítica sem a ligação a contextos econômicos, permanecendo apenas no social. Aliás, grande ênfase foi dada ao social, nos últimos 16 anos, esquecendo-se de que a economia pode tanto construir uma sociedade quanto fazê-la ruir em miséria e em destruição da própria cultura.

A Matemática, relegada a um lugar puramente teórico, que estabeleceu algo virtual como o sistema numérico, não foi inserida na vida das pessoas como algo vital, mas apenas acessório, dando margens a conclusões como:

Para que vou aprender raízes quadradas, limites, geometria, média ponderada e outras coisas, se em minha atividade não vou usar isto ?

Isto é o que a maioria dos jovens que não gostam de matemática falam, procurando justificar seu desinteresse e sua conduta.

A Matemática tem uma abordagem que preza as grandezas, mas não somente isto. Ela, através da quantificação, ajuda a determinar a importância de um fato, os custos de uma iniciativa ou projeto, as distâncias que se revelam no espaço geográfico, as distâncias temporais na História dos povos, auxiliando em todos os outros terrenos da educação.

É a Matemática que apoia as decisões em torno de todas as áreas do conhecimento, através de ÍNDICES, COEFICIENTES, ÁREAS, VOLUMES e tudo o mais que reforce as provas para os argumentos utilizados em apresentações de projetos e nos argumentos das demonstrações de caminhos viáveis para soluções apresentadas.

Sem uma forma de QUANTIFICAÇÃO, as Teorias, Suposições, Teoremas e Hipótese se tornam vazios. Sem perspectiva do quanto o esforço compensa, o melhor é ficar parado, senão pode-se perder tempo ou dinheiro, ou os dois ao mesmo tempo.

A Matemática ajudando a compreender as estruturas da Linguagem

Parece um absurdo, mas vamos demonstrar como o raciocínio matemático ajuda na compreensão da língua. E vamos direto ao assunto. Esta é a proposição mestra deste trabalho:

O principal sustentáculo comum à Matemática e à compreensão da Linguagem é a ORDEM DE PRIORIDADE de suas estruturas.

A Prioridade, na Matemática

 A Matemática possui uma prioridade para a resolução das expressões aritméticas, convencionada na prioridade dos operadores aritméticos. Primeiro resolvemos as operações no interior dos parênteses. Dentro destes, efetuamos as exponenciações e raízes, depois as multiplicações e divisões e, por fim, as somas e subtrações.

Vejamos alguns exemplos:

2 + 3*6 -5

Não temos parênteses. Em seguida não temos potências nem raízes. Mas temos uma multiplicação (3*6 = 18). Substituímos a multiplicação pelo seu resultado:

2 + 18 - 5

Como a prioridade destas operações estão no mesmo nível (soma e subtração), procedemos às operações da esquerda para a direita, mesma direção de nossa leitura de textos:

Somamos 2 e 18, obtendo 20, e reescrevemos a expressão:

20 - 5

Por fim, como tempos somente um operador restante, resolvemos esta operação:

15

Este é o resultado final.

Vejamos um exemplo com parênteses e, mais a frente, vocês poderão constatar a utilidade dos parênteses para a compreensão de nossa língua:

3 + 2*( 7 - 2*3 + 4*2 ) - 10

Este exemplo possuí nível de parênteses. Vamos separar a expressão no seu interior, e resolvê-la em primeiro lugar, como manda a lei de PRIORIDADES:

7 - 2*3 + 4*2

Novamente, teríamos que resolver as raízes e exponenciações, em primeiro lugar. Mas não as temos. Então resolveremos as multiplicações e divisões:

7 - 6 + 4*2

Mais uma vez, temos uma multiplicação para resolver:

7 - 6 + 8

Como a prioridade dos operadores é a mesma, agora, resolveremos as operações da esquerda para a direita:

1 + 8

e finalmente:

9

Bem, as prioridades da Matemática estão bem entendidas. Mas e na Linguagem, como se detecta as prioridades ?

Lembremos que esta Unificação da Matemática com a Linguagem, notadamente a expressa em uma escrita organizada, é Fundamental para entrarmos em uma nova era do ensino, e conseguir, com mais facilidade, o objetivo que sempre foi desejado, mas nunca atingido: a compreensão de textos de forma metódica e segura.

Um exemplo prático de Prioridades na Língua portuguesa

O primeiro tabu, resultado do perigoso senso comum, que vamos derrubar, é o argumento de que "O PORTUGUÊS É UMA LÍNGUA DIFÍCIL". Falácia. O Português é uma língua estruturada, que tem seus operadores "matemáticos" expressos por preposições, conjunções, pontuações e parênteses. É uma das línguas mais evoluídas, e talvez a mais evoluída das línguas do planeta.

Tomemos como exemplo a simples frase:

Uma CHUVA grossa caia no solo.

Perguntamos, então:

Qual é, nesta frase, a palavra com maior prioridade, a ser resolvida, antes de todas as outras ?

A maioria esmagadora das pessoas responde: É O VERBO. No caso, o verbo cair.

ERRADO.

Se o VERBO for operador prioritário, do ponto de vista da abordagem de uma expressão aritmética, chegaríamos à conclusão de que a "grossa" caia no solo. E isto não é verdade.

Devemos, em primeiro lugar, agrupar as entidades às suas características:

"Uma CHUVA grossa" compõe toda uma entidade. Na gramática de nossa língua, chamamos a esta de Locução Substantiva. É UMA única CHUVA, e é do tipo GROSSA. Para reduzir a Locução, poderíamos escrever:

Um CHUVÃO caía no solo.

Ainda não olharemos para o verbo. Olharemos para a preposição, e para a expressão "no SOLO". O Solo era, na frase, e sempre é o destino da Chuva. Pela sua obviedade, vamos apenas escrever:

Um CHUVÃO caia.

Vejam, a mensagem, resumida, é suficiente. Quanto menos palavras são usadas, mais rápida e precisa é a compreensão da Linguagem.

Então lembre-se:

- Agrupe todos os artigos, adjetivos e tipo dos substantivos citados na menor expressão possível, ou mesmo em uma só palavra, para sintetizar a entidade abordada;
- Por último, ataque o verbo.

Vejamos outro exemplo:

O valente guerreiro visigodo sentiu o delicioso cheiro do assado de coelho.

Vamos reescrever a frase com as ênfases de sentido:

O valente GUERREIRO visigodo sentiu o delicioso CHEIRO do ASSADO de COELHO.

Como temos preposições explícitas, vamos focar nelas, em primeiro lugar, como manda a regra:

CHEIRO do ASSADO de COELHO

Façamos algumas perguntas, pois é pela inquisição do espírito que chegamos às conclusões. Quem é que cheira NO CASO ESPECÍFICO DESTA EXPRESSÃO ? Seria o Coelho ? O coelho, deitado no quintal, tem aquele cheiro gostoso de carne assada, ao qual estamos acostumados ? Não. Um frango na granja se confunde, em termos aromáticos, com aquele cheiro de penas e de fezes dos galináceos. Mas um frango assado tem o delicioso cheiro da carne que foi tratada pelo calor, misturado aos temperos adicionados.

Portanto, o Cheiro não é de Coelho, e nem de um Assado como o de Frango. Concluímos que a identidade que cheira é o ASSADO de COELHO. E podemos, então, representar a expressão, guardando o registro de prioridades, utilizando parênteses:

CHEIRO do ( ASSADO de COELHO)

Constatamos, com esta análise de preposições, que existe uma prioridade de junção de Substantivos que obedece à lógica de conjuntos. Existem um grande conjunto de Assados. Assado de carne de vaca, assado de carne de boi, assado de carne de frango e assado de carne de Coelho:


 Quando você aprendeu a Língua Portuguesa, deu-se conta de que estava lidando com conjuntos, quando precisava fazer a interpretação dos textos ?

Agora, vamos partir para os cheiros:


Preposições, notadamente "de", em nossa língua, especificam conjuntos a que pertencem os substantivos, e as prioridades de junção, entre os substantivos, expressam uma hierarquia de interpretação. Já fazemos isto automaticamente, porém observamos que um grande número de pessoas faz uma interpretação errada, por falta de prática.

Quebra de prioridade: parênteses e a conjunção QUE

Se você ainda se lembra ou não das expressões matemáticas onde havia parênteses, vai ter uma nova visão sobre prioridades, na associação entre Matemática e Língua Portuguesa, através deste exemplo:

 4 * ( 12 + 3/4 ) - 1

Na Matemática, aprendemos que, havendo parênteses, começamos a resolução a partir da expressão do parênteses mais interno:

12 + 3/4

A divisão é resolvida, pela ordem de prioridades, em primeiro lugar:

12 + 0,75

E obtemos, dentro do parênteses:

12,75

que é transportado para a expressão principal:

12 * 12,75 - 1

Partimos novamente para a ordem de prioridades das operações, executando a multiplicação:

153 - 1

e, finalmente:

152

E na língua portuguesa, onde existem parênteses. Além dos parênteses explícitos, para ressaltar algum trecho que precisa ser explicado:

Aqueles, com bilhetes azuis, favor se dirigirem para o portão de embarque número 3.

E aqui, precisamos chamar a sua atenção para observar a presença das preposições. Na linguagem coloquial, preposições "de", "com" e "para" são utilizadas de modo indevido. A preposição "com", particularmente, sugere "companhia", tanto que a própria palavra "companhia" começa com "com".

Está errado falar da forma apresentada acima. O mais correto seria:

Aqueles, que estão com o bilhete azul, favor se dirigirem para o portão de embarque número 3.

A posse do bilhete azul especifica uma parte dos passageiros do exemplo. O subconjunto destes passageiros é especificado pelo detalhamento:

que estão com o bilhete azul

Reparou que a conjunção "que" também se presta à especificação de subconjuntos. E tem aluno de escola que faz a colocação ingênua e descabida de que:

"Prá que nós vamos aprender conjuntos, se nunca mais vamos usar ?"

Portanto, se ouvir isto ao seu lado, um dia, repreenda o incauto que proferir tal bazófia.

Mas a pessoa que diz isto (olha o que ai de novo) o faz porque os professores também nunca atentaram para a Utilidade do Português, e para a sua relação direta com a teoria dos conjuntos, pois estas disciplinas são dadas em separado, como se nenhuma relação tivessem entre si.

Então, recapitulemos:

  • Preposições podem esconder um "que" necessário para a análise matemática dos textos;
  • A conjunção "QUE" inicia uma expressão que deve terminar em vírgula ou ponto final, e que equivale ao parênteses das expressões matemáticas.

Para um "português matemático", precisamos detectar os níveis de raciocínio contidos na frase ou período frasal.

A conjunção coordenada "E"

Vejamos outro exemplo, que demonstra a transformação do texto poético em texto funcional para análise, à luz da matemática:

Amanheceu chovendo; uma cor cinzento-escura sobre todas as coisas e a chuva a pingar fininha das árvores e dos telhados com um barulho monótono.

A conjunção "E", explicitamente, sugere uma soma de entidades ou soma de fatores, formando um conjunto. Quando dizemos "Márcia e Valéria foram ao cinema", estamos especificando um conjunto de pessoas: Márcia e Valéria.

Em nosso exemplo poético, a chuva reúne dois aspectos enumerados:
  • A cor cinzento-escura;
  • Chuva de pingos finos;
Mas a chuva em pingos é bem distinguida de qualquer outra. Isto fica mais claro, quando escrevemos a frase de forma mais "matemática":

Amanheceu chovendo; uma cor cinzento-escura sobre todas as coisas e a chuva que pingava fininha das árvores e dos telhados e que fazia um barulho monótono.

Não avisamos anteriormente que a preposição "com" pode esconder especificações preciosas de subconjuntos "invisíveis". Novamente temos o tão útil "que" nos ajudando.

Que decepção para a grande maioria das pessoas; saber que não sabia o que estava lendo em todos os seus anos de alfabetização. Que ensino deficiente este que tivemos desde a colonização, que formou duas facções: os que gostam de matemática e execram o português e os que adoram português e dizem odiar matemática. Quanta estupidez, por culpa do ensino.

Verbos movimentam Substantivos entre Conjuntos

Constatamos claramente o conceito Matemático de que o Português se utiliza é o dos Conjuntos, em todo o momento e a todo tempo. E tanto educadores quanto pesquisadores não se dão conta disto.  E não se apercebendo, deixam de utilizar o Português como uma disciplina ilustrativa da Matemática, e vice-versa.

Mas não é só pelas preposições (principalmente "com") e pela conjunção "que" que os conjuntos são delimitados nas frases. Existem as ações que fazem isto. Vejamos, pois.

Seja a frase:

Flávio esperou o dia clarear e saiu para o campo.

Flávio mudou de conjunto, através do verbo "sair". Existem verbos  que provocam explicitamente a mudança de conjunto de um substantivo, e outros nem tanto.

O verbo "sair" é o do tipo explícito. Sair significa mudar de lugar, logo mudar de conjunto:


Se uma ação (expressa por verbo) ocorre, é de se esperar que o susbatntivo mude de lugar, ou de estado. Alguns verbos não sugerem isto tão fácil. Por exemplo:

  • Errar - Mudar de pessoa confiável para pessoa que pode falhar;
  • Querer - Mudar de pessoa tranquila para ansiosa;
  • Dizer - Provoca a mudança de rumo do assunto;
  • Ficar - Nem sempre revela inércia. Pelo menos é a decisão da pessoa de assumir com firmeza a sua posição. Os soldados que permanecem em um local, para lutar, certamente provocarão a mudança de vivos para mortos dos inimigos;
  • Gritar - É como dizer, porém com mais ênfase;
  • Começar - Nem precisamos comentar. É a mudança que vem.

Verbos são ativos, matemáticamente, senão as frases nem seriam escritas.

Conclusão

Antes de se discutir as implicações sociais da educação, coisa que não mudou em nada o modo de agir e de pensar do brasileiro, é preciso acordar para aquilo que nunca foi visto, e que pode elevar o grau de compreensão tanto da matemática quanto do português, e acabar com tabus e crenças idiotas do senso comum.

O Conhecimento real não vem em fragmentos setorizados, mas cada área complementa e reforça a outra.

Aqui não entramos no terreno da Física, mais difícil de se entender, mas em ocasião oportuna nós o faremos.

terça-feira, 20 de junho de 2017

Estudo do Diálogo - I

Com a entrada no mercado de trabalho da chamada GERAÇÃO Y (aquela que não pode ouvir não), estamos constatando, já em estado crítico, a queda na qualidade dos diálogos, ao ponto de sua quase putrefação completa. Estas pessoas não estão sabendo conversar mais com educação e com o uso dos códigos sociais.

Redes Sociais

Basta acompanhar os diálogos do Facebook, Twitter, Blogs e Youtube (comentários abaixo dos videos) para ter provas materiais e cabais do que estamos falando. NÃO SE SABE MAIS CONVERSAR como criaturas sociais, nesta geração 2000.

Leia texto a respeito:

https://utilidadedoportugues.blogspot.com.br/2016/02/comunicacao-expressao-e-logica-i.html

Não existe mais argumentação, esta até bem enfraquecida por falta da leitura. Mas os membros desta geração até diriam que lêem muito. Mas justamente o que lêem são os diálogos de que estamos tratando, ou seja, recheados de ironias, falta de educação e muitas vezes repletos de argumentos descabidos, pois qualquer um tem um celular ou computador para ir propagando as baboseiras que lhes brotam da mente.

O Engine do Diálogo

Já que existe tanta baboseira em termos do diálogo, do que ele é, de como funciona, e como deve ser conduzido, colocamos aqui, em terminologia da tecnologia, a "engine do diálogo", baseada nas conclusões de estudos do Hipocampo, o principal órgão envolvido na formação e recuperação das memórias:



Os personagens e o contexto

Os personagens de nosso mecanismo ("engine") são duas pessoas: P1 e P2.

Cada um possui uma "Linha do tempo", conjunto de suas experiências na vida, ATÉ O MOMENTO DO DIÁLOGO.  Utilizamos "Linha do Tempo", para que esta explicação fique tranquila e acessível aos jovens que utilizam o Facebook.

E para ambos os personagens, vale a mesma "Linha do Tempo do Assunto". É necessário frisar isto. Existe um só contexto a ser considerado, sobre o assunto, por ambos os personagens, portanto, só valem argumentações DENTRO DO CONTEXTO.

O Contexto

O assunto de um diálogo possui um Contexto base. Por exemplo, se estamos falando sobre culinária, é desejável que a terminologia fique apenas dentro deste assunto.

Mas, e se surgirem metáforas no diálogo, fazendo comparações com outros ramos ? Se a metáfora for bem conhecida de ambos, tudo bem. Do contrário, ter-se-á que fazer um parênteses na conversa, podendo-se perder o "fio da meada".

Mesmo dentro do contexto, as pessoas P1 e P2 podem se perder. E um dos motivos da perda do caminho do diálogo é a citação de "slogans" ou palavras de ordem. Estes dois últimos são o último dispositivo a ser citado. Ambos servem como recurso de FIXAÇÃO POR EXCESSO.

Vamos dar um exemplo desta nossa época tão conturbada no Brasil. Em um diálogo, uma das pessoas cita que o Presidente Temer foi considerado o líder de uma organização criminosa. Então, ao invés da outra pessoa iniciar argumentações a respeito, ela simplesmente diz "Fora Temer". Estão vendo ? Isto é como uma conclusão apressada. O diálogo não acabou aí, pois ainda não houve o esgotamento da questão, mas um deles quer dar o assunto como acabado.

E desta forma de recursos apressados a Internet está cheia "até a tampa".

Tempos

Cada um deve usar e dar ao outro, no diálogo, o tempo devido e não exagerado. Pessoas que falam demais são extremamente chatas. Um bom tempo de exposição é o de um minuto, em conversas do dia a dia. Para simples encontros rápidos, 30 segundos é o bastante. As propagandas tem, no máximo, 30 segundos de duração. É o suficiente para se dar o recado. Já as conversas técnicas, 3 minutos. É preciso que a outra pessoa possa entrar, sem muito conteúdo exposto, com perguntas para confirmação de alguma parte do que foi exposto. Este é o tempo utilizado nos debates eleitorais (entre 3 e 5 minutos).

E como utilizar tão bem o tempo, da forma aqui colocada ? Não entre em muitos detalhes. Não cite uma pessoa que você conhece, mas a outra não, pelo nome, tentando explicar quem é, pois ambos perderão o rumo da conversa. Diga apenas, "uma pessoa fez isto ou aquilo".

Diferenças na linha do Tempo

Quando se estabelecer um diálogo entre P1, pessoa mais velha, e P2, pessoa mais nova, será preciso ter um grande cuidado. Se você for a pessoa P2 (mais nova), reconheça seu limite, pois a linha do tempo, e certamente o número e diversidade de eventos, da pessoa P1 (mais velha) é bem maior.

O número de conexões neuronais de uma pessoa mais madura, é  milhões de vezes mais numeroso do que alguém mais novo. Não tem comparação. O mais novo deve "enfiar o rabo entre as pernas" e procurar ouvir mais. Portanto, deverá até dar mais tempo ao mais velho, para este falar.

Explicação do Mecanismo

Observando o que foi dito anteriormente, a pessoa P1, tirando fatos de sua Linha do Tempo e da Linha do Contexto do assunto, cruzando-os SEGUNDO REGRAS, PADRÕES, METÁFORAS já conhecidas pelo senso comum, argumentos de TESES DE AUTORES e de argumentos conhecidos da PSICOLOGIA, para formar seus ARGUMENTOS. Detalhes deste procedimento serão explicados depois.

Uma vez que tem os ARGUMENTOS BEM FORMADOS, emite sua fala, respeitando os tempos mencionados anteriormente. A pessoa P2 leva uma pequena vantagem, da primeira vez, pois tem, além dos componentes mencionados para a pessoa P1, os argumentos desta. No entanto, também terá mais trabalho desta primeira vez em que fala, pois tem que se referir aos argumentos da pessoa P1.

Ou seja, a essência do diálogo é levar em conta os Contextos, e o conteúdo da pessoa que falou, em um ciclo do diálogo. Não se usa somente o contexto da própria vida e o contexto do assunto, senão teríamos um monólogo, e não um diálogo.

Tenha em mente que, mesmo os absurdos ditos por alguém devem ser levados em conta para mostrar erros de interpretação de contexto. Qualquer opinião, de qualquer pessoa, é um conteúdo útil para corroborar ou refutar teses. Toda pessoa é proprietária de uma Rede Neural privilegiada, chamada CÉREBRO, o mais maravilhoso mecanismo já concebido.

Como colocar seus argumentos

Para tecer argumentos, é necessário ter a sua vida (todos a tem) com UM CONJUNTO RAZOÁVEL DE EXPERIÊNCIAS SOBRE O ASSUNTO EM QUESTÃO. A Internet está cheia de "guris", pessoas generalistas, membros de um clube de cultura de "Youtubers", cuja linha do tempo está recheadas de conhecimentos de "profetas de ocasião", sem a mínima consistência de conhecimentos básicos sobre o que falam. Ou seja, Conhecimento sobre o Assunto é po BÁSICO.

As Regras citadas ao centro do nosso "mecanismo" são as Regras do Silogismo, ou seja, aquelas que pautam o cruzamento de fatos para compor os argumentos. Basta consultar o Google para se ter acesso a estas regras. Os Padrões são as construções com a concordância, para evitar a tradicional pergunta: "como é que é isso que você falou ?". As metáforas são frases de bom efeito que ajudam a fixar o argumento exposto. As Teses dos Autores conhecidos são muito importantes, pois demonstram que o argumento veio alicerçado em ideias que os outros já discutiram, e facilitam a evolução do assunto, pois você já cita o que os antigos já reputaram como mentiras ou fatos possíveis. No entanto, é bom citar os mais antigos e os pensadores recentes (que infelzmente estão muito fracos).

E finalmente, em se tratando de conversas sobre fatos que envolvem pessoas, algum conhecimento de Psicologia é bem vindo. Dizendo Psicologia estamos também falando de Sociologia.

Notas finais

Em um diálogo, EVITE DIZER "não é isto". Se realmente for como uma das pessoas está falando que é, são os argumentos que devem mostrar isto, e não um julgamento final da questão.

Lembre-se, também, de que AS COISAS MUDAM. Não se baseie no Contexto atual para dizer que algo é impossível, pois vivemos em uma época em que os impossíveis estão acontecendo.

Não chateie a outra pessoa, sendo sempre DO CONTRA. Se este for o caso, mostre, com argumentos válidos, construídos de acordo com as recomendações acima, que o que ocorre é o OPOSTO do que ela falou.

Não seja agressivo, pois esta é a arma dos fracos de argumentos. Isto é o que mais ocorre nos diálogos de Internet, atestando a incapacidade desta geração mais nova de pensar. QUEM NÃO PENSA, AGRIDE.

Conclusão

O diálogo é uma ferramenta valiosa de desenvolvimento humano, tem regras, e propicia o crescimento individual e dos envolvidos na conversa.

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Bibliografia:


Hippocampus: Intrinsic Organization - Peter Somogyi
Hippocampus - Philip Taupin

















quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Comunicação, expressão e Logica - II

Vamos analisar um diálogo de Machado de Assis, em seu "Apólogo", diálogo este entre a linha e a agulha:a

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Neste diálogo vemos claramente a exploração inteligente e detalhada dos atributos de ambas, linha e agulha. O segundo aspecto é a humanização de personagens inanimados, mas que possuem funções. Se existe função, existe contexto de ação. Se existe contexto de ação, existe um procedimento, um modus operandi, um hábito. E se estes últimos existem, tem-se uma personalidade, mesmo em se tratando de objetos.

O curioso é que, mesmo na nossa vida, na interação com os seres animados - as pessoas - encontramos gente sem função, ou então não conscientes de suas funções, portanto as temos como pessoas sem personalidade.

E então, vemos o brilhantismo de Machado de Assis, ao mostrar, através deste seu diálogo, dois objetos inanimados mas que, no entanto, tem consciência de suas funções, suas capacidades e portanto de sua utilidade no mundo prático da vida. E isto só poderia ser expresso no papel por um autor que também tem estas características de personalidade.

Conclusões

Na comunicação e expressão, o instrumento mais eficiente para se mostrar o potencial do autor são os diálogos. Se o autor usa no diálogo alguém que realmente fez parte de seu Universo interior (sua vida), o valor deste personagem está nas fortes impressões que deixou no autor, pos do contrário não o escolheria. Se um personagem é alguém simplesmente inventado pelo autor, ainda sim este deve ser inspirado em uma ou mais pessoas que ele conheceu, e o valor está na síntese de comportamentos que o autor imputou a este personagem.

No texto, Machado de Assis "se partiu em dois" e deu vida à agulha e à linha. Porções de suas falas podem ter vindo de irmãs, da mãe, das tias ou avós de Machado, e estas pertencem, todas, ao Universo de "atores internos" do mundo machadiano.

Romances em que o autor simplesmente conta casos podem mostrar um contexto em uma época, mas não mostram a exploração de personalidades, procedimento útil para fazer crescer os leitores. Eles até podem se comunicar com o leitor, mas não são a forma genuína de ensino da comunicação, que se dá sempre entre pelo menos duas entidades comunicativas humanas.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Como é um texto bem escrito - Como fazer uma Redação de qualidade

Dentro de nós, com os anos de experiência e muita leitura, temos regras, um instinto, que nos faz distinguir um texto bom de um texto ruim.

As regras nunca são explícitas para ninguém, mas conseguimos reunir, através dos anos, com muita observação, a partir de muito material, algumas que já podem ser observadas na próxima vez que nos lançarmos na leitura de algum texto.

E como a leitura hoje se dá muito em função da Internet, algumas regras contemplam aspectos estéticos para tornar a exposição mais agradável aos olhos.

Elas estão abaixo:

Requisitos fundamentais

1. Não tem erros de português (este é o primeiríssimo requisito);
2. A argumentação é crescente. Os fatos vem na ordem da menor importância para a maior importância;
3. Existe uma preocupação com a cronologia;
4. Destaque visível. O que é isto. É uma técnica de Internet. As ideias principais são apresentadas em
letras maiúsculas da primeira vez, ou negritadas. Depois, apenas a primeira letra aparece maiúscula;
5. Você pesquisa os conceitos apresentados, e conferem com o real;
6. As figuras são representativas, e não somente artísticas;
7. O autor se preocupa em garimpar os princípios das ideias e dos conceitos;
8. São citados autores e nomes de equipamentos, missões, protagonistas de atos importantes;
9. O autor é contundente, mostrando que tomou partido claro em torno da tese que defende;

Características não obrigatórias, mas que acrescentam credibilidade

1. O autor utiliza metáforas que tornam sua tese mais sólida;
2. O texto é escrito em ESTILO DIAGONAL. O que é isto. Simplesmente a ideia lançada ao final de um parágrafo é detalhada no parágrafo seguinte. Em outras palavras, é a realização perfeita do item 2 de nossa primeira lista;
3. As argumentações expostas se encaixam nas sensações que a pessoa que lê já experimentou;
4. O texto te estimula a pesquisar mais. Ele abre novos horizontes, pois o autor expôs princípios básicos de coisas que o leitor ainda não conhece;
5. O texto contém uma distribuição harmônica de conteúdo escrito, diagramas e mídia;
6. O texto não é cansativo.
7. Você reconhece maturidade no texto;
8. O autor encaixa nomes de cientistas, aos princípios que criou, às invenções resultantes, aos novos
princípios criados pelo anterior, numa sucessão que mostra que ele está sabendo o que fala;
9. O autor cita que usou determinada coisa a que o texto se refere, ou que viveu na época em que os fatos se deram;
10. Nomes/sobrenomes, datas, locais e fatos acontecidos se apresentam impecáveis;
11. O autor usa um vocabulário extenso, que extrapola em muito as palavras de uso comum;

Características que determinam originalidade:

1. Você copia trechos do texto e cola no Google, para ver se não foram copiados;
2. Você busca as figuras, e percebe que o autor acrescentou indicações, para aumentar a sua clareza;
3. O autor expõe os fatos como nenhum outro autor nunca fez;
4. O autor chega ao ponto de propor hipóteses que fazem muito sentido;

Cuidados técnicos

  1. Não confundir unidades: kg com tonelada, metro com quilômetro, mililitro com litro. è comum ver nos jornais e textos de Internet erros absurdos, por falta de atenção de quem escreve;
  2. Não confundir nomes, sobrenomes, locais, horários em que se deram os fatos;
  3. Principalmente nos jornais, vê-se verdadeiros vexames na hora de se colocar nomes e sobrenomes das pessoas, que ficam grafados errados, tirando inclusive a credibilidade da informação;

Conclusão

Perceber isto tudo só é possível aos "macacos velhos" que leem muito, que pesquisam, que são
curiosos, e que, sobretudo, não são debochados. Na Internet existem textos que não passam nem na metade destes requisitos, e dá para perceber, de cara, que o texto foi escrito por um leigo.

domingo, 19 de junho de 2016

Uso adequado dos substantivos - Escala de Valores

As Ideias Básicas disponibilizadas pelo nosso linguajar cotidiano são poucas, apesar do léxico (conjunto de palavras da língua) ser da ordem de quase uma centena de milhar de palavras.

Um Léxico abundante

O Léxico de uma língua é abundante pelo fato das Ideias Básicas se apresentarem em uma escala de intensidade. Para a melhor compreensão, vamos utilizar um exemplo bem conhecido da quase totalidade da população, notadamente dos brasileiros, nos tempos atuais: a palavra Violência, substantivo próprio, no entanto utilizado como substantivo comum.

Mostraremos o seu mau uso, frente à preguiça e ao empobrecimento do vocabulário do homem comum.

Indícios da raiz da ideia de Violência

Explorando as raízes da ideia de violência em línguas semíticas (grupo de línguas do oriente médio, no início da civilização), vemos que Violência vem da raiz RASGAR, TRABALHAR e também de TIRANIZAR. A busca semântica em línguas antigas serve para retirar o significado mais próximo possível do que o homem concebeu quando a necessidade de denominar a ideia surgiu. Desta forma, evitamos a confusão provocada pela múltipla derivação e mistura com ideias advindas da semântica das línguas de colonizadores, além das mudanças de uso de palavras com o correr do tempo.

RASGAR

Rasgar denota uma ideia bem óbvia para a nossa mente. Rasgar uma folha de papel lembra o rompimento de suas fibras constituintes. Derivadas de Rasgar temos as ideias Esquartejar (rasgar o Corpo de um ser humano), Presa (animal que, após capturado, é "rasgado") convertida em pedaços para alimentação. E advindo desta última ideia temos Mantimento (pois a comida é originária de pedaços de animais). Fisicamente temos as derivadas Puxão (ato que determina a ação de Rasgar).e Safanão (não promove o resultado de Rasgar, mas o antecipa). Rasgar implica em se atingir a INTEGRIDADE FÍSICA DO ALVO pretendido da pretensa Violência.

Em nosso raciocínio primário, RASGAR é a ideia que mais caracteriza a Violência. Mas veremos que não, pois vamos explicitar a ideia de Trabalhar. Mas como, o que Trabalhar tem com a Violência.

TRABALHAR

O trabalho diário, em priscas eras, envolvia a Agricultura e o Pastoreio. As ideias objetivas a este respeito (ações) eram Cultivar, Lavrar e Fender. E as ideias derivadas mais óbvias são Escravo, Servo, camponês, fazendeiro e lavrador. Destas, a ideia que mais nos lembra a dita Violência é a de Fender. E por que ?

A principal e objetiva atividade do lavrador, em seu trabalho diário, é a preparação do solo, aplicando o arado ao solo, para abrir as FENDAS onde serão colocadas as sementes para o plantio. Não era diferente com o homem dos tempos antigos. Este arado também tinha que ser afiado, e é desta ação que derivavam as armas, como a adaga, o arpão, espada, lança e punhal, por motivos óbvios, e a ação de golpear, que se refere ao uso dos substantivos mencionados anteriormente.

TRABALHAR DURO

Nas sociedades antigas (o termo primitivas não se aplica ao homem, pois sempre foi capaz de dominar o contexto em que viveu) existia um trabalho árduo. Era preciso manter a segurança da nação, sem a existência de fronteiras aceitas internacionalmente, e expandir a área geográfica para a sobrevivência da mesma. E Trabalhar desta forma se expressava basicamente em três coisas:


  • Guerrear;
  • Pressionar;
  • Proteger;


O ato de pressionar parece um pouco estranho, não ao trabalho duro, mas às duas outras ideias. Mas explicamos. Do ato de Pressionar vem o verbo cujos substantivos derivados contavam ÓLEO e SÊMEN. No caso de óleo, a associação é óbvia, pois o principal óleo fabricado nas civilizações do Oriente era o Azeite. No caso do Sêmen, ele também era olhado como uma espécie de óleo, por produzir a vida.

TIRANIZAR

Sendo as guerras uma atividade genuína e comum de manutenção da nação, assim como de sua expansão, a consequência contida no ato de Tiranizar os povos vencidos é quase natural. E Tiranizar equivalia a agir com Violência. E que espécie de violência era esta ? Obrigar os povos vencidos a aceitarem a Autoridade do Rei da nação vencedora, ou até a sua escravidão, tratando os vencidos como um Feixe. E desta forma de tratamento surgiu a ideia posterior de fascismo. O símbolo da autoridade do Rei era um feixe, como se pode constatar nos utensílios reais dos faraós.

Conclusão Intermediária

Na coleta das ideias ligadas às raízes das ideias por intermédio das quais podemos chegar à ideia de  violência, constatamos que os símbolos se encaixam perfeitamente às ideias que lhes foram posteriores, e fazem muito sentido para nós, seres humanos, com evidências em nossas próprias linguagens.

A Escala da Violência

Vamos nos ater ao estudo da violência apenas aplicado ao homem.

O primeiro degrau na denominada violência seria o Puxão. Você está na beirada da calçada, no semáforo, e percebe que um jovem vai atravessar quando os carros ainda estão em movimento, na via. Você dá, então, um puxão pelo braço, e salva o indivíduo em possível perigo. Este ato se configura apenas em "deslocamento de corpo" com o atenuante de "intenção de evitar prejuízo à vida".

O segundo degrau na escala da denominada violência seria o Proteger. Não confundir com o "salvamento" do parágrafo anterior. Proteger implica num terceiro envolvido. Alguém se aproxima de uma pessoa ao seu lado, no ponto de ônibus, armado de uma faca. Você se coloca em atitude de defesa, armado ou não, entre o portador da faca e a possível vítima. Houve uma intimidação de sua parte em relação ao terceiro que chegou armado.

O terceiro degrau na escala se refere à uma extensão da segunda escala, onde você decide que é preciso golpear o agressor armado de uma faca, com um soco, chute ou cotovelada, pois este insiste em ameaçar a vítima e, agora, você com a faca. Sendo assim, você acerta um soco no queixo do infeliz

O quarto degrau da escala ocorre quando, resultado da insistência do agressor da terceira escala, você lhe toma a faca e GOLPEIA este agressor, provocando um ferimento, ou seja, RASGA a sua pele.

Nestas primeiras quatro escalas emerge imediatamente a ideia de um TRABALHO DURO, que é o de PROTEÇÃO. A Proteção é tão dinâmica quanto a chamada AGRESSÃO. Para os povos antigos não existia tal conceito. Guerrear era algo bem comum, servindo como uma espécie de exercício. Até jogos entre tribos refletiam este anseio e vocação, que foi depois sublimado em competições esportivas.

O quinto degrau da escala ocorre quando um povo toma a iniciativa de expandir seu território, como no caso em que o Iraque de Sadam Hussein resolveu tomar o Kuwait (com o agravante de cobiça aos seus poços de petróleo), declarando-lhe Guerra. Aqui a agressão é deliberada. O "agressor" não sofreu ou não constatou que alguém ao seu lado, ou ele mesmo, pudesse ser agredido. Ele não estava se defendendo, e nem tampouco defendendo um terceiro. E sua ação provoca uma consequente ação coletiva de agressão. Isto pode ser traduzido, na vida comum das cidades, pelas rixas entre indivíduos, ou entre famílias, ou entre torcidas organizadas de futebol.

O sexto degrau na escala se refere à TIRANIA. Este agressor citado na quinta escala oprime o agredido, permitindo que seus soldados estuprem as mulheres da nação agredida, torturem a população conquistada, confisque seus bens, etc. Na vida comum dos cidadãos, este patamar de violência ocorre no caso de criminosos que mantém pessoas em cárcere privado para (1) auferirem lucro (sequestro) ou (2) subjugarem a pessoa para seu próprio prazer.

A Ação das Autoridades Policiais na Escala da Violência

A localização da ação Policial, na escala sugerida, se encontra, claramente, na categoria de Proteção. Se já vivemos um estado de coisas tais quais como estão, o que se poderia dizer que aconteceria, caso a Autoridade Policial estivesse ausente ? Seria como não se ter possibilidade nenhuma do controle do preço do pão, e este aumentasse sem nenhuma previsão.

O patamar inicial da Atividade Policial objetiva estaria, inicialmente, na segunda escala. Como o grau de resistência, mesmo de integrantes de movimentos sociais como o MST e MTST, bem como dos traficantes de morros, chega ao grau, atualmente, de Milícias, dado o grau de sua organização e de táticas para tentar deter o Batalhão de Choque, os confrontos chegam à terceira e quarta escalas.

A Autoridade Policial não é a portadora da agressão. Sua atividade é Constitucional, ligada à existência de uma Sociedade de Cidadãos. Ela não sai na rua imbuída da intenção de agressão. Ela sai uniformizada para o exercício de sua atividade.

Podem rir, mas ...

QUEM DERA OS ASSALTANTES SAÍSSEM UNIFORMIZADOS, para que pudéssemos identificá-los na rua, e evitá-los.

As ações envolvidas nas escalas de Violência não são exatamente as mesmas perpetradas por uma pessoa comum, que possa ter intenções violentas, e por um Policial. Um policial não sai às ruas com a característica de primeira pessoa, AGRESSOR, conforme o demonstrado nas escalas que colocamos aqui.

Violência Policial ou Contenção Constitucional

Pela análise da Escala de Violência, aplicada ao homem, em sua totalidade, constatamos que é preciso acrescentar diferenças por Categoria. Homem Comum e Homem Policial. Olhar o Policial, ignorando o seu Uniforme, e sua função Constitucional é o mesmo que ser portador de CEGUEIRA CIDADÃ.

O homem comum não sai às ruas com toda a sua consciência cidadã. Ele sai, como robô, se encarando como trabalhador, e cheio de direitos. A prova da falta de consciência cidadã se expressa nas infrações de trânsito, logo a alguns poucos quarteirões de sua casa, fechando o veículo do lado, avançando um sinal ou outro, andando com excesso de velocidade, e outros. A consciência Constitucional só surge no momento de defender ou acusar uma Presidente, gritar "Fora Cunha", "Fora Dilma" e demais frases da moda.

Deveria receber um prêmio, aquele que saísse de casa com a plena consciência de que o Fiscal de Trânsito está cumprindo uma função Constitucional (Municipal) ou que o Policial Militar também o esteja (Estadual). Não, não temos um subconjunto razoável de cidadãos nesta condição.

Fomos convencidos de que qualquer forma de Autoridade é repulsiva, exagerada e violenta. E como isto se dá ? Pelos exageros.

O que foge de uma escala de valores é metáfora, ou exagero, ou subestimação. 

O valor deve ser correto. A ação do cidadão inconsciente de seus deveres pode ser chamada de VIOLÊNCIA, mas tem que levar em conta a escala que classifica esta ação. A ação Policial é uma forma de Contenção Constitucional. Mesmo o Policial mais corrupto, se respeitado, vai estar sossegado na função de proteção, que é característica de seu ofício. Ele não quer se expor, não quer se revelar.

Golpe

Para aproveitar a situação política, em proveito de um maior esclarecimento de nosso Tema, vamos nos ater à frase bordão da esquerda brasileira, diante do Impeachment da Presidente Dilma:

"Impeachment sem Crime de Responsabilidade é Golpe"

É uma frase de efeito onde existe um pleonasmo, pois todo crime, mesmo Culposo, envolve a responsabilidade de alguém. Se todos fossem responsáveis, não haveria crime. Mas isto é objeto para uma outra discussão futura. Se não houvesse a propagação de frases absurdas como esta, não teríamos assunto nas aulas de português, nem nas de linguística.

A ação tomada em relação à presidenta, diante do que foi explicado anteriormente, teve o cunho Constitucional, e viria, em nossa escala, abaixo da escala característica da Atividade Policial. A atividade Constitucional, não policial, é algo que concordamos de comum acordo, quando ganhamos a cidadania automática no nascimento. E dela temos a obrigação de tomar conhecimento, quando da maioridade, aceita como convenção, aos 18 anos de idade. Portanto, não há como se iniciar uma discussão sobre a palavra Golpe para ações constitucionais.

Que palavra poderia ser melhor utilizada neste caso ? No máximo um Puxão que, coimplementado poderia se transformar na expressão comum "puxão de orelhas". Tanto isto é verdade que, se voltar após o afastamento, não constataríamos marcas visíveis de qualquer agressão.

Conclusão

Ao utilizarmos as palavras, devemos observar a sua correta conotação, pois exageros podem corromper seu significado, e servir de instrumento para quem quer infringir a lei, ou estabelecer falsas verdades, para posterior dominação.

Violência é algo que, para ser dito de um fato, precisa passar por vários estágios, antes de se poder dizer que foi constatada.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Comunicação, expressão e Logica - I

A Língua é ferramenta de Expressão de um povo. A Comunicação é a técnica que une as duas, em um discurso razoável, coerente e que expressa lógica, e não um absurdo, e que acrescenta a este o respeito tanto a quem se fala, quanto o respeito ao sentido.

Vamos expor um exemplo que trata desta comunicação, e de como ela tem que ter Lógica. Ele é tirado de um diálogo do Youtube, sem revelar os perfis, por exigência legal, pelo fato de ser um exemplo muito elucidativo do que pretendemos explicar.

O filme de Youtube

O diálogo se refere a um filme que mostra alguém cortando uma melancia, e dentro aparecem as sementes formando a frase "Deus não existe", na forma de letras pontilhadas. Um dos comentaristas diz:

1 - "bom eu acredito que deus existe mas para aqueles que nao acreditam so  apos a morte nos poderemos saber"

Um outro lhe responde, em claro tom de crítica, que é o comportamento mais comum nos fóruns, pois os jovens querem mostrar conhecimento:

2 - "vamos sustentar todo charlatão que diz falar com deus até lá. Tem milhares de crianças passando fome mas deixar o Papa, o Malafaia, o Feliciano... mais ricos vai resolver os problemas do mundo."

Para os recém-chegados em foruns, de uma maneira geral, principalmente os que discutem assuntos bíblicos, e principalmente Deus, o argumento mais utilizado para negar a Deus é o fato de crianças passarem fome, e os religiosos mais famosos enriquecerem.

Outro comenta:

3 - "então vc so acredita pelo interesse da vida apos a morte ?"

Aqui temos outro aspecto da discussão da fé, que é o pós-vida. Podem começar a observar que o tema principal, que é a Existência ou não de Deus, é deixado de lado, e a ênfase fica para o plano Secundário do tema. Isto é frequente em redações. Existe a dificuldade de foco no assunto, um erro de Lógica, no item Coerência. É o pior erro em redação: SAIR DO ASSUNTO PRINCIPAL.

Vamos prosseguir com o comentário seguinte:

4 - "quem disse que o mundo tem problemas? tá maluco é doido??"

Reparem que os comentários deveriam ter uma indicação de concatenação entre os argumentos, mas não tem. Este é um problema de comunicação. Sabemos mais ou menos que o comentário (4) deve ter o (3) em mente, mas o comentarista não deixa isto claro.

Agora, pela primeira vez, um comentarista indica a quem se refere:

5 - "Quem disse que o mundo tem problemas?" 
Eu lhe digo que o mundo tem problemas. Vc é um problema no mundo.

Ele indicou a frase sobre a qual vai comentar, cercando-a de aspas. E ele utiliza o próprio argumento para pressionar o comentarista anterior.

A seguir, outro argumento muito utilizado em discussões sobre a Existência de Deus:

6 - "NÃO!!! se vc não acredita em DEUS, o bem e o mal não existem, são apenas crenças pessoais como a sua INFELIZ opinião, valem tanto quanto vc, NADA!!! nem m**** vale!!"

O comentarista entra com o tradicional dualismo Bem/Mal, característico quando se fala de Deus. Reparem que suprimimos o palavrão. Reparem também no ritmo da discussão, característico da comunicação. A temperatura começa a subir.

7 - Não disse que ñ acredito, e muito pelo ao contrário, sua opinião é uma merda. Sem argumentos e sem alguma coisa. "E quem disse que o mundo tem problemas". O mundo tá cheio de problemas e vc é um deles. Inocente.

A comunicação continua deficiente, pois não se trata do assunto. O Tema "problemas do mundo" foge do proposto, pois cai no tema "seu problema pessoal". Quando o amor próprio dos que discutem começa a cair, ou até ser esquecido, a comunicação real foi perdida.

8 - "Você não RACIOCINA, eu estou tentando ajuda-lo a isso. Então você acredita em DEUS, um criador absoluto?? eu sou cristão, você não compreendeu o problema??? ao negar DEUS, o ateu está NEGANDO toda a realidade, você entende isso ou não??"

Aqui ainda temos o problema do amor-próprio prejudicado, mas o comentarista está tentando colocar o Tema de volta para a discussão: Deus criador, ou seja, através da criação, ou seja, o mundo criado.

9 - "Você está me ajudando?? Em que? Em ser um idiota como você?? 
Que tipo de retardado afirma que o mundo não tem problemas. Sério, você tem sérios problemas mentais. Me ajudar... Se é for pra falar m****, fica na sua brother. Eu to me retirando."

O embate começou desde o comentário 5. Nota-se que o último comentarista, não quer participar do processo legítimo de comunicação, o que é caracterizado pelas ofensas. Seus argumentos se esgotaram. Pelo menos ele se mantém no Tema dos "problemas do mundo".

10 - "Eu nunca afirmei que o mundo não tem problemas cara, eu usei e uso SARCASMO com ateus brother!! mas pelo jeito de falar você não é cristão né?"

Aqui existe uma evidência interessante. A forma de expressão do comentarista das frases ímpares fez com que este último detectasse que o comentarista não é cristão. Se a expressão for clara, até sem conhecer a pessoa você identifica suas tendências. Quando ocorrem erros de interpretação, a expressão foi deficiente.

Entra agora uma terceira pessoa, ou seja, não é nenhum dos dois que discutia até o momento:

11 - "Deixar de acreditar em Deus mudaria o fato dessas crianças passarem fome? Você esqueceu quem são os seres humanos?  Você; por um acaso ajuda estas crianças? Pense nisso. Não acho que a Bíblia faça sentido ou que exista alguma religião que realmente faça, mas afirmar que não existe nada por você simplesmente NÃO TER alguns argumentos para provar que é realmente tudo falso, é falta de conhecimento. Assim como afirmar certamente que algo existe. Agora vamos a algo mais teórico: tente explicar a física quântica com seus argumentos ateístas, veja até onde chega."

Apesar da fuga do Tema principal (Existência de Deus), este comentarista, ao tentar explicar o Tema secundário (Problemas do Mundo), e fixar o foco no Tema terciário (crianças passando fome), ele aponta para um Tema derivado do Tema Principal (crença em Deus) que, se bem desenvolvido, pode chegar ao Tema Principal. Ele está sendo lógico, aproveitando dos grandes desvios do tema, mas tentando chegar ao que interessa.

Entra um quarto comentarista, mas que fecha o raciocínio de uma forma que se pode dizer conclusiva:

12 - gostei do:

"Deixar de acreditar em Deus mudaria o fato dessas crianças passarem fome? "

Olhe só a contradição dos ateus. Eles afirmam que "Deus não existe pq é ruim". E se existe a fome é culpa dEle. Ora, se eles convencerem as pessoas q Ele não existe, A FOME ACABA ? O MAL ACABA ?

Ora, se Ele existir, a fome existirá, certo ? Como a fome existe no mundo, é mais prova de que Ele existe do q prova de q Ele não existe.

Correto ? Fui lógico ?

Isto muitas vezes acontece na comunicação entre pessoas. Ao falar, ela pode não perceber que chegou a um argumento conclusivo. Um observador de fora percebe. Por esta razão, dizemos que um diálogo é melhor se feito a três, e não a dois. E ele está tão preocupado com a discussão, e em que ela chegue ao seu objetivo, que termina dizendo:

"Correto ? Fui lógico ?"

Conclusão

Não estamos aqui para discutir o Tema "Existência de Deus", mas a Comunicação, a Expressão e a Lógica do discurso. Escolhemos um Tema controverso, para que, mesmo na dificuldade, possamos mostrar que é possível descer o mais profundo em Temas secundário e até terciários, para tentar explicar o Tema primário.

No difícil terreno científico, este tipo de cenário frequentemente se apresenta. Nas mãos do cientista estão evidências absolutamente secundárias de um Tema, mas na discussão com colegas, com os resultados nas mãos, alguém consegue indicar a direção.

Os diálogos do Youtube são, por vezes, fontes inesgotáveis de piadas. Geralmente é gente jovem que tenta conversar, mas dificilmente chegam a alguma conclusão, justamente por não prezar o seu amor-próprio, aqui comentado.


















sexta-feira, 18 de julho de 2014

Interpretação de textos complexos IV - Machado de Assis

O texto desta quarta parte é realmente difícil, na primeira cena do romance "A Ressurreição" de nosso querido Machado. Prepare-se.

O texto já está grifado, desta vez de uma forma diferente dos textos anteriores, com vistas à sua adaptação para a forma de Mapa Mental, seguindo as orientações corretas para este tipo de ferramenta:

Primeira Parte:

Naquele dia, — já lá vão dez anosa! — o Dr. Félixb levantou-se tarde, abriu a janela e cumprimentou o sol. O dia estava esplêndido; uma fresca bafagem do mar vinha quebrar um pouco os ardores do estio; algumas raras nuvenzinhas brancas, finas e transparentes se destacavam no azul do céu.

Chilreavam na chácara vizinha à casa do doutor algumas aves afeitas à vida semi-urbana, semi-silvestre que lhes pode oferecer uma chácara nas Laranjeirasc. Parecia que toda a natureza colaborava na inauguração do ano. Aqueles para quem a idade já desfez o viço dos primeiros tempos, não se terão esquecido do fervor com que esse dia é saudado na meninice e na adolescência. Tudo nos parece melhor e mais belod, — fruto da nossa ilusão, — e alegres com vermos o ano que desponta, não reparamos que ele é também um passo para a morte.

Teria esta última idéia entrado no espíritoe de Félix, ao contemplar a magnificência do céu e os esplendores da luz? Certo é que uma nuvem ligeira pareceu toldar-lhe a fronte. Félix embebeu os olhos no horizonte e ficou largo tempo imóvel e absorto, como se interrogasse o futuro ou revolvesse o passado. Depois, fez um gesto de tédio, e parecendo envergonhado de se ter entregue à contemplação interior de alguma quimera, desceu rapidamente à prosa, acendeu um charuto, e esperou tranqüilamente a hora do almoço.

Félix entrava então nos seus trinta e seis anos, idade em que muitos já são pais de famíliaf, e alguns homens de Estado. Aquele era apenas um rapaz vadio e desambiciosog. A sua vida tinha sido uma singular mistura de elegia e melodrama; passara os primeiros anos da mocidade a suspirar por coisas fugitivas1, e na ocasião em que parecia esquecido de Deus e dos homens, caiu-lhe nas mãos uma inesperada herança, que o levantou da pobreza. Só a Providência possui o segredo de não aborrecer com esses lances tão estafados no teatro.

Félix conhecera o trabalhoh no tempo em que precisava dele para viver2; mas desde que alcançou os meios3 de não pensar no dia seguinte, entregou-se corpo e alma à serenidade do repouso. Mas entenda-se que não era esse repouso aquela existência apática e vegetativa dos ânimos indolentes; era, se assim me posso exprimir, um repouso ativo, composto de toda a espécie de ocupações elegantes e intelectuaisi que um homem na posição dele podia ter.

Não direi que fosse bonito, na significação mais ampla da palavra; mas tinha as feições corretas, a presença simpática, e reunia à graça natural a apurada elegância com que vestia. A cor do rosto era um tanto pálida, a pele lisa e fina. A fisionomia era plácida e indiferente, mal alumiada por um olhar de ordinário frio, e não poucas vezes morto.

Segunda Parte:

Do seu caráter e espírito melhor se conhecerá lendo estas páginas, e acompanhando o herói por entre as peripécias da singelíssima ação que empreendo narrar. Não se trata aqui de um caráter inteiriço, nem de um espírito lógico e igual a si mesmo;trata-se de um homem complexo, incoerente e caprichoso, em quem se reuniam opostos elementos, qualidades exclusivas e defeitos inconciliáveis.

Duas faces tinha o seu espírito, e conquanto formassem um só rosto, eram todavia diversas entre si, uma natural e espontânea, outra calculada e sistemática. Ambas, porém, se mesclavam de modo que era difícil discriminá-las e defini-las. Naquele homem feito de sinceridade e afetação tudo se
confundia e baralhava. Um jornalista do tempo, seu amigo, costumava compará-la ao escudo de Aquiles4mescla de estanho e ouro5, — "muito menos sólido", acrescentava ele.

Aquele dia, aurora do ano, escolhera-o o nosso herói para ocaso de seus velhos amores. Não eram velhos; tinham apenas seis meses de idade. E contudo iam acabar sem saudade nem pena, não só porque já lhe pesavam, como também porque Félix lera pouco antes um livro de Henri Murger, em que achara um personagem com o sestro destas catástrofes prematuras. A dama dos seus pensamentos, como diria um poeta, recebia assim um golpe moral e literário.


Legenda:

aFonte vermelha: referência de tempo relativa (intervalo) ou absoluta (evento definido no tempo)
bSujeito, agente ou objeto
cReferência de Local
dLocução substantiva que referencia uma ideia que será referenciada logo depois
eReferência a uma ideia anterior
fComplemento de uma ideia temporal
gCaracterísticas do sujeito, agente ou objeto
hObjeto, entidade ou contexto relacionada ao Agente
iComplemento do Objeto, entidade ou contexto relacionada ao Agente
1Leviano
2Na pobreza
3Ganhou a herança
4Expressa uma metáfora
5Explicação da metáfora

Análise Contextual versus Análise Sintática

Uma análise sintática pode nos levar a uma apreensão (aprender) sob uma ótica que vainos desviar dos caminhos corretos da lógica do texto. Vamos dar ênfase à cadeia de ligações das idéias do texto, de forma bem despojada, com o FOCO NA MENSAGEM do contexto.

Veja o artigo interpretacao de textos complexos iii.

Qual é o FOCO deste texto ?

Qual é o FOCO, de acordo com a hipótese "daquilo que é mais referenciado" no texto ? Em outras palavras, qual é o vocábulo ou entidade que mais se repete no texto ?

Resposta: é o nome Félix.

Não se fala de um lugar, nem de um evento, nem de uma ideologia e nem de um processo (verbo). Fala-se deste personagem: Félix. Ele seria a ideia central de um mapa de ideias que o texto exprime.

Armadilhas

Ora, o autor, para não repetir onome Félix, poderia colocar as seguintes referências nos diversos parágrafos:


  • O doutor (o segundo parágrafo refere-se à "casa do doutor");
  • Este de quem estamos falando;
  • O nosso herói;
  • Esta pessoa que nos está falando;


Tome cuidado para não ser pego em tal armadiha. Todos são "links" (referências) a Félix. Portanto, as locuções substantivas devem ser traduzidas na sua entidade.

Elementos artísticos

O parágrafo um contém um cenário e um tempo no qual Félix não está amarrado. Ele poderia ter estas divagações em qualquer lugar. Portanto, a referência "já lá vão dez anos" é a única que se presta à análise
do contexto, neste parágrafo.

Os demais elementos apenas desenham uma bonita cena que ele vislumbrou ao acordar naquele dia. A estes elementos denominamos elementos artísticos, e não pertencem ao foco do texto.

Onde esta ação está ocorrendo

O local de um contexto, mesmo que seja psicológico, pode influenciar a divagação de um personagem. Aqui ele está em sua casa. Algumas naturezas deinspirações são possíveis, de acordo com o tipo de local:


  • A casa em que uma pessoa morou com os pais pode inspirar saudades, boas lembranças, mágoas, etc;
  • Uma prisão pode inspirar mágoa, revolta, vingança, arrependimento;
  • Uma fazenda pode inspirar pensamentos poéticos;
  • Uma igreja pode isnpirar pensamentos de arrependimento, confissão ou decisão;
  • Um trem ou ônibus pode inspirar desejos de tomar uma decisão, de fazer uma revisão da vida;


Aqui, sabemos que a casa de Félix é vizinha da "chácara nas Laranjeiras".

Referência ao que está acontecendo

Félix está experimentando estes pensamentos motivados por duas pistas que o segundo parágrafo dá:


  • Tudo nos parece melhor e mais belo;
  •  é também um passo para a morte;


Ora, esta é uma referência velada (escondida com véu) do aniversário segundo a opinião de Félix, nosso personagem. Ele tem, imitando o autor Machado de Assis, uma visão existencialista deste aspecto da vida humana.

Referência de ideia: Link

O terceiro parágrafo inicia estabelecendo uma ligação com o segundo (aliás, uma maneira muito lógica de se compor um texto): "Teria esta última idéia entrado no espírito".

A ideia que entrou no espírito do personagem foi a citada no segundo parágrafo, disparada por outras duas ideias citadas agora:

a magnificência do céu;
esplendores da luz;

Qualificador ou explicador de ideia

A expressão:

trinta e seis anos, idade em que muitos já são pais de famíliaf

poderia ser classificada (a parte com cor de fundo), na análise sintática como oração adjetiva. Em nossa análise de interpretação, "idade em que muitos já são pais de família" dá um dos POSSÍVEIS atributos que a pessoa adquire ao chegar aos "trinta e seis anos". Então classificamos a expressão "idade ..." como qualificadora ou explicadora da ideia, ou ainda, ATRIBUTO DA IDEIA.

Relação parecida é estabelecida por:

os primeiros anos da mocidade a suspirar por coisas fugitivas1

Os "primeiros anos da mocidade" é aquele tempo em que "suspiramos por coisas fugitivas". A expressão com cor de fundo é um qualificador, ou seja, um atributo POSSÍVEL dos "primeiros anos da mocidade".

Relação nebulosa de tempo

Mas existem relações de ideias um pouco mais difíceis de se perceber. Seja a expressão:

 trabalhoh no tempo em que precisava dele para viver2;

Trabalho, aqui, pode ser substituído por "trabalhou", e "no tempo em que ..." pode ser substituído por "enquanto precisou dele para vivar", ou seja, um intervalo no tempo em que "trabalhou". Na análise sintática seria um adjunto adverbial de tempo, mas, em nossa análise, seria um INTERVALO no qual a ideia de "trabalho" para o personagem perdurou.

Um outro exemplo deste tipo de relação é:

desde que alcançou os meios3 de não pensar no dia seguinte, entregou-se corpo e alma à serenidade do repouso

Ou seja, Félix iniciou seu "repouso desde que alcançou os meios" para tal.

Qualificador ou explicador de ideia

Outra relação deste tipo ocorre entre "repouso" (mencionado anteriormente) e

ocupações elegantes e intelectuaisi

A ideia de repouso (do trabalho) está associada ao fato de Félix poder se ocupar de coisas "mais elegantes e intelectuais".

Atributos de personagem

 tinha as feições corretas, a presença simpática, e reunia à graça natural a apurada elegância com que vestia. A cor do rosto era um tanto pálida, a pele lisa e fina. A fisionomia era plácida e indiferente, mal alumiada por um olhar de ordinário frio, e não poucas vezes morto

Os atributos estão marcados da mesma forma que o nome do personagem, dado que estão associados a ele.

Para casa

Esta é uma expressão antiga, que significa que você, leitor, vai tentar fazer a interpretação da segunda parte do texto, que publicaremos a interpretação desta parte.